segunda-feira, 25 de julho de 2011

JF perde dez hectares de Mata Atlântica por ano-TRIBUNA DE MINAS, 24 de Julho de 2011


24 de Julho de 2011 - 07:00

Bioma cobre, atualmente, apenas 12% do município; especialistas alertam para necessidade de conter ocupação

Por Eduardo Vanini
Mancha urbana avança e fica próxima de reserva
Mancha urbana avança e fica próxima de reserva
Com o território totalmente inserido no bioma da Mata Atlântica, Juiz de Fora vem perdendo, a cada ano, cerca de dez hectares de área verde, o que equivale a dez campos de futebol, segundo os últimos "Atlas dos Remanescentes Florestais". Restam apenas 12% da cobertura original. De acordo com especialistas, embora os dados ainda não configurem uma situação crítica, o reforço em políticas de conservação e monitoramento é fundamental para que o desmatamento não seja ampliado. Caso contrário, a cidade poderá ter graves problemas climáticos e desequilíbrio ecológico. A maior ameaça apontada pelos entrevistados é a crescente urbanização, que avança sobre reservas e áreas florestadas. Em vários locais, é possível verificar trechos de mata cercados por moradias, como no caso do Poço Danta, região Sudeste, onde há uma alta concentração de casas do Bairro São Benedito rente à reserva.
O professor do Departamento de Botânica do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFJF e especialista em ecologia florestal Fabrício Alvim Carvalho afirma que a área urbana de Juiz de Fora conta com o "luxo" de ser marcada por "manchas verdes", fundamentais para regular o clima. "Em locais muito desmatados, a temperatura é extremamente quente, as chuvas são descontroladas e as enchentes aparecem com mais força." Como alerta Carvalho, a manutenção desse benefício está atrelada à garantia de políticas públicas voltadas para a proteção desses espaços, o que nem sempre acontece. Ele ilustra que, em bairros como São Pedro, na Cidade Alta, é visível o avanço da construção civil sobre áreas florestadas, "as quais não contam com nenhuma proteção legal".
Para o especialista, Juiz de Fora também possui a vantagem de abrigar organizações que vêm promovendo bons trabalhos de recuperação das matas. Mas, na opinião dele, ainda é preciso mais incentivo em nível de governo, já que os órgãos oficiais não possuem nem mesmo um efetivo suficiente para garantir a aplicação das políticas ambientais. Essa preocupação possui, ainda, um viés econômico, na medida em que distritos com boa situação ambiental atraem investimentos. "Prefiro acreditar que o Executivo terá o bom senso de acompanhar essas tendências. Ainda mais Juiz de Fora, que tem um apelo industrial grande. Hoje, qualquer município que se preze tem um órgão ambiental fortalecido."
O coordenador executivo da Associação pelo Meio Ambiente de Juiz de Fora (Amajf), Theodoro Guerra, faz coro ao considerar o crescimento urbano desordenado como a maior ameaça à Mata Atlântica. Como ele dimensiona, o problema é mais agressivo do que a derrubada de matas para a criação de pastos na Zona Rural, por exemplo. "O pasto ainda pode ser revertido em uma área de replantio, um espaço de moradia, não." Ele explica que, além de pressionar as áreas verdes, a falta de controle sobre a expansão urbana pode desencadear na ocupação da Zona Rural, prejudicando os remanescentes. "Por isso é tão importante a fixação de reservas nessas regiões. É uma questão de prevenção."
Embora Juiz de Fora ainda esteja em situação confortável, na opinião do coordenador da Amajf, o quadro pode mudar, para pior, caso não haja ações mais fortes para frear a devastação e promover a recuperação. "Um município precisa ter pelo menos 20% de suas matas assegurados, para que não tenha problemas graves, como perda de biodiversidade e recursos hídricos."

36 autos de infração em áreas de proteção permanente em dois anos

No âmbito municipal, a secretária de Atividades Urbanas, Sueli Reis, afirma que algumas mudanças na legislação têm contribuído para melhorar os cuidados com o meio ambiente, relacionados ao crescimento urbano. É o caso de uma portaria baixada no ano de 2009, por meio da qual todos os processos de construção passaram a transitar pelo crivo da Agência de Gestão Ambiental de Juiz de Fora (Agenda JF). O órgão faz uma vistoria no local e estabelece restrições em relação às áreas de preservação. Quanto aos loteamentos irregulares, a secretária afirma que as autorizações para ligações de água e luz têm sido restritas, ao máximo. Além disso, não é mais permitido que construções irregulares sejam legalizadas posteriormente. Nos anos de 2010 e 2011, até 18 de julho, a Agenda JF realizou 114 autos de infração, sendo 36 em áreas de proteção permanente.
Quanto à estrutura dos órgãos municipais competentes, Sueli considera que o efetivo é suficiente. São cerca de 60 fiscais em atuação na Secretaria de Atividades Urbanas e cinco na Agenda JF. Na avaliação dela, o mais importante é que os mecanismos de trabalho sejam modernizados. E isso, conforme a secretária, já está acontecendo. Como ela pondera, os problemas relacionados à invasão dessas áreas "não estão 100% controlados porque sempre tem alguém que procura burlar a lei".
Já no estado, O diretor de fiscalização dos recursos florestais e biodiversidade da Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Bruno Zuffo, admite que o órgão conta com um efetivo restrito, diante da dimensão das necessidades de Minas. Entretanto, segundo ele, para suprir essa falta, é feito o monitoramento via satélite de todo o território mineiro, viabilizado pela Universidade Federal de Lavras. O trabalho possibilita o controle sobre focos de desmatamento, apontados em relatórios mensais, pelos quais são elaboradas estratégias de combate ao desmatamento.
No caso da Zona da Mata, Zuffo comenta que a região tem sido muito assediada por empreendimentos interessados em mineração e silvicultura de eucaliptos. E, de acordo com ele, as áreas desmatadas abrangem desde regiões que contam com a devida autorização - principalmente no que diz respeito a espaços onde a mata está em estágio inicial de regeneração - até o fragmento de polígonos não autorizados.

'A população está mais consciente'

Enquanto a perda de Mata Atlântica na cidade foi de aproximadamente 44 campos de futebol, entre 2005 e 2008; nos dois anos seguintes, deixaram de existir outros 16 campos. Apesar da queda no desmatamento, o presidente do Grupo Ecológico Salvaterra, Wilson Acácio, afirma que a evolução ainda é lenta. Mesmo assim, ele acredita que a diminuição ocorreu porque, nesse intervalo de tempo, embora ainda em níveis insatisfatórios, os órgãos ambientais passaram a ter atuação mais recorrente, assim como a sociedade começou a cobrar mais. "A população está mais consciente. As novas gerações aprendem questões ambientais nas escolas e organizações promovem a educação não formal junto às comunidades." Outro fato considerado por ele é que essa queda também já reflete a escassez de recursos.
Ações em risco
Por meio de parcerias com órgãos oficiais e organizações, inclusive internacionais, a Associação pelo Meio Ambiente de Juiz de Fora (Amajf) conseguiu proteger dois mil hectares de Mata Atlântica em toda a Zona da Mata, sendo 400 na cidade, desde 2008. Os trabalhos foram feitos por meio do contato com 140 proprietários rurais, envolvendo ações de preservação e recuperação de florestas. Para áreas onde não havia vegetação, foram enviadas cerca de um milhão de mudas. Em todos os espaços, os proprietários formalizaram compromisso com a entidade, garantindo a manutenção das áreas verdes.
De acordo com o coordenador executivo da associação, Theodoro Guerra, o próximo passo é resgatar cerca de 500 hectares até 2013, sendo cerca de cem em Juiz de Fora. Entretanto, o projeto está em risco. Guerra relata que foram feitos cortes nas verbas repassadas pelo Estado, e isso pode significar perdas nos recursos que serviriam como incentivo aos proprietários de terra que fazem a preservação de matas. Só este ano, a ONG pode ficar sem o respaldo de R$ 250 mil. "Isso era muito importante para os produtores rurais que entraram no projeto, visto que todos eles executaram um benefício para toda a cidade."

Propriedades particulares em foco

Um grande aliado na recuperação da Mata Atlântica tem sido a criação de Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs). Juiz de Fora possui 289 hectares de áreas enquadradas nesse perfil, distribuídos em três propriedades, segundo o Cadastro Nacional de RPPN. Minas Gerais é o estado campeão nesse tipo de conservação, com 242 reservas, equivalendo a um espaço de 127 mil hectares em 137 municípios. Juiz de Fora é o 51º em termos de extensão de áreas nessa categoria. Segundo a coordenadora do Programa de Incentivo às RPPNs da Mata Atlântica, os benefícios trazidos aos responsáveis por essas áreas são vários. Entre as vantagens estão a isenção no Imposto Territorial Rural e a prioridade na análise de concessão de crédito agrícola em bancos públicos. O município também ganha, já que a presença das RPPNs reflete em maior repasse do valor arrecadado pelo ICMS, por parte do Estado.
"Muitos proprietários ainda desconhecem essa possibilidade. É muito importante divulgá-la para garantir a proteção da Mata Atlântica", acredita a coordenadora do Programa de Incentivo às RPPNs da Mata Atlântica, Mariana Machado, atestando que, dos 8% do bioma que restam no Brasil, 80% estão na mão de proprietários particulares. "Como as propriedades inseridas na Mata Atlântica tendem a ser pequenas, cada fragmento é importante para a criação de corredores ecológicos."
A transformação de polígonos verdes em RPPNs não possui limites de extensão, podendo até mesmo se sobrepor a áreas de reserva legal e proteção permanente. Ao receber essa denominação, os espaços passam a ser guardados em caráter perpétuo, podendo ser utilizados apenas para turismo, educação ambiental e pesquisa científica. Caso a propriedade seja vendida ou repassada para herdeiros, as regras seguem valendo. As propriedades contempladas podem estar tanto em área urbana, quanto rural. Para pleitear a transformação, devem ser procurados o Instituto Estadual de Florestas (IEF) ou o Instituto Chico Mendes. No primeiro caso, o órgão pode ser consultado pelo e-mail diap@meioambiente.mg.gov.br e, no segundo, pelo ascomchicomendes@icmbio.gov.br.

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